Primeiro grupo de pesquisa do Brasil sobre teleficção enfrentou preconceitos acadêmicos e contribuiu para institucionalizar as investigações sobre teleficção
O ano de 2022 foi marcante para os pesquisadores do Centro de Estudos de Telenovela, o CETVN: o grupo da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP), celebrou os 30 anos de existência.
Criado em 8 de abril de 1992, então nomeado de Núcleo de Pesquisa de Telenovela (NPTN), o CETVN fez História ao ser o primeiro centro de estudos do Brasil a dedicar-se à telenovela, considerando-a como um objeto científico. Enfrentou preconceitos, galgou a institucionalização desse objeto, inspirou a criação de grupo pelo país afora, contribuiu com a formação de centenas de estudantes.
Após três décadas, mantém-se ativo e relevante. Atualmente, desenvolve projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e às vésperas de encerrar a terceira década, sua coordenadora, a professora Dra. Maria Immacolata Vassallo de Lopes, teve um projeto aprovado no edital Pró-Humanidades (CNPq).
Ao relembrar a criação desse Centro de Estudos, Lopes reconhece seu papel histórico: “quando a maior universidade do país encampou esse projeto de pesquisa, foi uma vitória. E se iniciou um estímulo a pesquisadores de todo o Brasil. A gente passou a se reunir em seminários, em congressos… Esse foi um processo de provar uma qualidade de pesquisa e, ao mesmo tempo, de conquistar uma sólida institucionalização desse objeto. E nesse processo, a gente chegou a projetos do OBITEL Ibero-americano, do OBITEL Brasil, ao GT [Grupo de Trabalho] de Televisão do Intercom e, mais tarde, da Compós [Associação Nacional de Programas de Pós-graduação em Comunicação], e a tantas outras conquistas. Chegamos a lugares onde nós podemos divulgar e discutir a pesquisa sobre a narrativa ficcional de TV.”
Fase de implantação
Criado em 1992 por incentivo do professor José Marques de Melo, então diretor da ECA, o grupo nasceu para apoiar e desenvolver pesquisas na área de ficção televisiva. “O Núcleo de Telenovela era uma ousadia! Ainda nos anos 90, ter um centro de pesquisa sobre telenovela dentro da USP… Foi surpreendente! E causava espanto dentro da própria universidade, porque era uma novidade. Quando eu começava a apresentar o Núcleo, era como se as pessoas nunca tivessem olhado a novela como objeto de estudo. E isso vinha junto com um preconceito, de pensar que estudar telenovela não era importante. E nós começamos um trabalho para conquistar espaços”, conta Immacolata.
Nos primeiros anos, em sua fase de instalação, o principal foco do então NPTN era contribuir com pesquisas de investigadores brasileiros e estrangeiros de telenovela, além de criar um acervo sobre a memória teleficcional nacional, composto por documentos impressos, livros, revistas, vídeos, figurinos, elementos cenográficos. Nessa primeira fase, suas coordenadoras foram as professoras Anamaria Fadul [1992-1997], Maria Aparecida Bachega [1997-2000], Solange Martins Couceiro de Lima e Maria Lourdes Motter [2000-2005].
Uma tragédia marcou os primeiros anos do grupo. Em 2 de outubro de 2001, um incêndio atingiu o prédio central da ECA, onde ele estava instalado. O fogo destruiu todo o acervo, composto por cerca de 2500 boletins do Ibope, 500 revistas nacionais, 300 revistas internacionais, 2500 artigos de jornais, suplementos de tevê arquivados desde 1993, um dossiê de todas as telenovelas, datadas desde 1965 e separadas por pastas, 400 roteiros de novelas, 1500 sinopses, 900 capítulos de novelas, além e fotografias, fitas de vídeo, pôsteres e discos. Junto com as chamas, veio a tristeza. Era preciso recomeçar. Então, seus pesquisadores criaram a campanha “S.O.S. Telenovela – O que você guardou de lembrança pode ajudar nossa memória”, objetivando iniciar a construção de um novo acerto. Em 15 de maio de 2002, quando o grupo completou dez anos, inaugurou suas novas instalações.
Fase dos Projetos Coletivos
Após mais de uma década de trabalho e auxílio a pesquisadores de todo o país, o CETVN intensificou o investimento em projetos coletivos a partir de 2005. Nesse ano, assumiu a liderança a professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes. “Ao assumir a coordenação, comecei a pensar em projetos coletivos. Eu tinha vontade de experimentar. Queria manter aquilo que acontecia, o Núcleo aberto a pesquisadores, como uma espécie de balcão, de biblioteca sobre ficção televisiva. Eu pensava que podia continuar assim, mas que a gente precisava começar a construir um trabalho coletivo, envolver as pessoas em um projeto de pesquisa comum”, conta Immacolata.
Nessa época, foi criado o projeto Obitel – Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva, um projeto internacional de pesquisa com o objetivo de realizar a análise anual da produção, audiência e repercussão sociocultural da ficção televisiva na América Latina e Península Ibérica. A rede de pesquisa Obitel Nacional, vinculada ao Obitel Internacional, é composta de pesquisadores distribuídos por universidades de todo o Brasil e, entre os países participantes do Obitel, possui a rede de pesquisadores mais expressiva devido ao vigor que a ficção televisiva exibe em nosso país. Anualmente, o Obitel Internacional publica um livro com um estudo sobre a teleficção do ano anterior. A cada dois anos, é lançado um livro sobre um tema específico pelos pesquisadores do Obitel Brasil.
Além das pesquisas do Obitel Brasil e do Obitel Internacional, em 2022, está em desenvolvimento o trabalho “Economia criativa do audiovisual brasileiro independente: o papel da criatividade e o impacto da inovação no cenário produtivo das séries televisivas nacionais. Avaliação e Propostas”, aprovado em um edital da Fapesp com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ). Em parceria com pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba, o grupo mapeia as histórias, as condições de produção e os desafios do audiovisual contemporâneo independente no Nordeste e no eixo Rio-São Paulo.
Em novembro de 2022, a coordenadora do CETVN, Maria Immacolata Vassallo de Lopes, obteve a aprovação do projeto “A ficção televisiva brasileira como recurso de promoção da cidadania”, submetido pelo Obitel Brasil à Chamada do Edital Pró-humanidades (CNPq).
Em relação aos próximos 30 anos do CETVN, Immacolata é otimista. “ Apesar de todos os problemas que vieram com políticas de ciência, com os governos, há muita potência no campo da Comunicação. Ainda dá para fazer muita coisa, tem muito espaço para crescer, para diversificar. Defendo a pesquisa internacionalizada, em conjunto, assim como o CETVN tem realizado”, finaliza.